Você corre diariamente. Dorme mal. Acorda durante a noite pensando nas tarefas das quais precisa dar conta no dia seguinte. Perde o sono organizando mentalmente a sua agenda lotada. Levanta cansado. Já começa o dia mau humorado. Toma um café correndo. Ou nem toma. Ou toma na rua. Sozinho. Anda pela rua apressado, aproveitando para ver as mensagens que se acumularam no celular. Aproveita para olhar como andam as redes sociais. Deixa de olhar para o entorno e divide a experiência da rua com a tela. Chega ao trabalho. E, novamente, em frente a uma outra tela, começa seu dia de produção. Hora do almoço: come mal e correndo. Volta ao trabalho. Hora de ir embora. Hora de dormir. E você mal conversou com seus amigos e colegas, mal respirou, mal viu seus filhos, mal…
Esta é uma sequência de fatos fictícia, mas talvez você tenha se identificado com uma, muitas ou todas as situações. A velocidade em que vivemos nos dias de hoje, especialmente nas grandes cidades, nos faz perguntar: o seu tempo é seu?
No dia-a-dia, como você se relaciona com o tempo? Você já parou para pensar se o uso que você faz do tempo reconhece e acolhe o seu próprio ritmo?
É comum que as pessoas nem façam esta diferenciação. O tempo de cada um já está tão condicionado ao ritmo de todos, que esta distinção nem existe mais. É daí que vem uma sensação muito comum, de que estamos sempre correndo, mas esta correria nunca é suficiente para dar conta de tudo. Incorporamos o tempo social a ponto de negar ou negligenciar nosso próprio ritmo. Incorporamos os discursos de que “mais é melhor” e queremos sempre além do que é suficiente. Isso é velocidade como violência. E quando nos damos conta desta violência e percebemos que nós mesmos estamos nos submetendo a ela, paramos para pensar.
Por que corremos? Em nome de que? Para que? E mais importante: estamos conscientes destas supostas escolhas? Elas são contratos sociais “impostos” e sobre os quais mal refletimos? O que ganhamos e o que perdemos correndo tanto?
Reflexão e convivência afetiva
Com a iniciativa Desacelera SP, temos provocado as pessoas a pensarem sobre a sua relação com o tempo e a valorizarem a desaceleração como forma de humanização de várias esferas da vida.
Desacelerar pode ser se permitir uma pausa; ou organizar seu tempo, de modo que tenha mais tempo para você e o que importa; ou ainda mudar radicalmente de vida. Falamos mais sobre isso aqui.
Quando fazemos esta provocação, tentamos distinguir o tempo universal, o tempo social e os tempos de cada um.
Sendo bem sintética, é possível dizer que o tempo universal é a medida de tempo. Todos temos 24 horas em um dia.
O tempo social é o uso que se faz do tempo. E nesta relação, já entram outros aspectos deste uso, como a produtividade ou o ócio.
E o tempo de cada um tem a ver com ritmo interno. Com as carcaterísticas pessoais, que devemos conhecer para respeitar no uso do tempo (o tempo social). O tempo individual não é fixo. Cada um pode ter um ritmo diferente para diferentes situações ou em diferentes momentos da vida. Mas é importante estar sempre em contato com seu tempo, para refletir sobre a sua (in)disposição para determinadas atividades.
É comum que confundamos ritmo e rotina. O ritmo é o tempo de cada um para desempenhar determinadas atividades. Rotina é o uso do tempo (na relação com o ritmo) na tentativa de disciplina e ordenar, adequando-se (geralmente) a demandas externas e sociais. Em geral, a rotina é o uso regular do mesmo tempo, nas mesmas horas, nos mesmos dias, para realizar as mesmas tarefas e com os mesmos elementos. Ou seja: para respeitar seu ritmo, é preciso apenas estar conectado com seu interior e suas demandas essenciais.
A aceleração da vida nos leva também a confundir as prioridades e as urgências. Em geral, abandonamos as prioridades (que são internas, dizem respeito ao uso do tempo para o que importa) para dar conta das urgências (que, em geral, são dadas por elementos externos, como o trabalho ou as relações).
Mas eu não consigo mudar. O que posso fazer?
Você pode questionar: como vou respeitar meu ritmo, se o trabalho, o cotidiano, as demandas sociais e as relações estão funcionando em outra rotação? Fazer pausas ou se organizar para usar seu tempo de outra forma são alternativas ao que seria uma mudança radical. Mas apenas a tomada de consciência destes elementos faz com que possamos ter uma relação mais saudável com o tempo, deixando de nos acharmos escravos dele e fazendo com que ele se torne um aliado.
A mudança pode vir desta reflexividade. Claro que ela em si pode não ser suficiente. Mas você vai perceber que, se parar para pensar na sua relação com o tempo e se permitir problematizá-la, já será o início de alguma transformação. Mesmo escolhendo manter a sua vida exatamente como está, se você chegar à conclusão de que não precisa ou não quer desacelerar, pelo menos esta escolha será mais consciente e não será dada pelo movimento externo a você, da sociedade.
Costumo dizer que desacelerar é uma atitude urgente. Para nós e para o mundo. Mas não estamos querendo impor a desaceleração como modo ideal de vida. Pelo contrário. Ainda que acreditemos que o mundo precisa de mais generosidade com as pessoas e os recursos naturais, e que desacelerar é um dos caminhos para conquistar isso;nosso ideal é que as pessoas ao menos parem de se sentir violentadas pela velocidade de um tempo que não é o delas. E que encontrem uma harmonia na sua relação com ele, mesmo que esta harmonia seja a escolha consciente pela velocidade. E isso quer dizer ouvir-se e respeitar seu próprio ritmo na relação com o tempo.
Por isso, quando alguém me pergunta como desacelerar, eu respondo: “pare para pensar: seu tempo é seu? E chame o tempo pra dançar. No seu ritmo”.