Temos visto e sentido a disseminação tecnológica acontecendo em ritmo de crescimento exponencial na sociedade, mas, muitas vezes, não percebemos a revolução silenciosa e invisível que a acompanha, transformando e modificando o polo de valores de nossas vidas. Do Linkedin,
Quando a internet era jovem, no final do século passado, existia um entusiasmo com as possibilidades de conexão entre pessoas e informações em qualquer lugar do planeta. Conforme a web foi se expandindo, também foi crescendo a quantidade de pessoas e objetos conectadas a ela e, hoje, isso inclui virtualmente todo tipo de dispositivo: carros, geladeiras, termostatos, casas, semáforos, lâmpadas, ou seja, qualquer tipo de objeto, inclusive os pessoais, como roupas e óculos, por exemplo, além, claro, do poderoso smartphone. Essa é a tão falada “Internet of Everything”, termo cunhado por Kevin Ashton em 1999, na qual qualquer coisa dotada de sensores, consegue “sentir” o seu ambiente e se comunicar tanto com outras coisas, quanto com seus donos ou outras pessoas. Com isso, todas as coisas passam a ser “smart”, ou seja, adquirem uma camada de informação que as permite operar de forma mais inteligente. Desse modo, portanto, a inteligência das coisas tem aumentado no mundo ao nosso redor.
Por um lado, tudo isso é extremamente excitante, pois permite uma inédita otimização de recursos na história da humanidade. Geladeiras que nos informam quando um produto acabou ou perdeu a validade e que faça pedidos automaticamente aos supermercados; cidades que conseguem prever epidemias e manifestações em função da movimentação nas ruas e dados comportamentais; termostatos que regulam a temperatura do ambiente em função da quantidade de pessoas no mesmo; cordas, tênis, raquetes e patinetes que medem nossa performance durante o seu uso para nos ajudar a melhorá-la; escovas de dentes que nos informam a melhor maneira de escovar; camisas que analisam nossa saúde; e mais uma infinidade de possibilidades de otimizações.
Por outro lado, no entanto, conforme a “Internet of Everything” avança, precisamos nos conscientizar de que tudo o que fazemos, os lugares que visitamos, bem como o modo que vivemos, compramos, nos divertimos e aprendemos foram profundamente transformados por essa conexão inteligente entre tudo. A onipresença e onisciência da internet invade todos os aspectos das nossas vidas, num processo em que estamos cada vez mais “visíveis” na rede. Esse é o trade-off da otimização e personalização: quanto mais informações pessoais fornecemos, mais eficiente e rico é o processo. Nesse contexto, torna-se cada vez mais difícil (e em alguns casos, impossível) ter privacidade. Por exemplo, se a sua camisa ‘smart’ envia alertas sobre a sua saúde automaticamente para o seu médico, ela pode também informar os fabricantes de remédios sobre a sua situação. Cada vez mais empresas empreendedoras estarão minerando o campo da internet of everything em busca de oportunidades de personalização e otimização. Certamente veremos nos próximos anos uma ‘corrida do ouro’ nessa área minando cada vez mais a privacidade.
Além da ubiquidade que nos vê o tempo todo, o novo cenário tecnológico traz também mais dois impactos profundos: 1) a tecnologia nos entretém cada vez mais ininterruptamente, em todas as dimensões da nossa existência; 2) a tecnologia permite que haja muito mais fluxos de comunicação e aparelhos emitindo sons e barulho em qualquer lugar o tempo todo ao nosso redor. As consequências disso é que, além de privacidade, temos também cada vez menos tempo e silêncio em nossas vidas.
O aparato tecnológico ampliou consideravelmente a quantidade de coisas que temos para fazer tanto no trabalho quanto em casa. Por exemplo, antigamente tínhamos apenas uma dúzia de canais de televisão para assistir, enquanto hoje, temos milhares. Antes tínhamos alguns jogos de tabuleiro, hoje temos milhares de jogos online. Além disso, devido ao seu papel de desintermediação, hoje fazemos muito mais coisas que no passado – esse é o caso dos supermercados, em que além de pegar os produtos, também pesamos, embalamos e processamos o pagamento. Ou quando fazemos check-in em voos e hotéis – antes alguém nos atendia, hoje fazemos a entrada de dados, escolha de assentos/quartos, imprimimos o boarding pass e o escaneamos na entrada do avião. E assim por diante. Quanto mais dispositivos conectados, mais coisas para fazer, e menos tempo para tudo. Assim, a gestão do tempo passa a ser uma das principais habilidades humanas hoje.
Uma conclusão óbvia é de que todos esses dispositivos podem emitir sons, conteúdos e informações (por exemplo, a sua camisa ‘smart’ enviou informações sobre a sua situação para fabricantes de remédio, que poderão, eventualmente te contatar), bem como habilitar o próprio ser humano a se comunicar em qualquer lugar, aumentando a poluição sonora. No entanto, além disso, a tecnologia também alavancou o crescimento populacional e a urbanização no planeta, aumentando cada vez mais a densidade de pessoas e coisas praticando emissões sonoras ao nosso redor: televisões e monitores ligados em todos ambientes, pessoas usando seus smartphones (tanto para conversar quanto para ver e ouvir os seus conteúdos), alertas de sensores de carros, fornos, telefones, aplicativos, etc. Assim, o silêncio está se tornando uma raridade.
Sabemos que em cada momento da história, a escassez sempre determinou o valor das coisas – quanto mais escassa, mais valiosa. Partindo desse princípio, acredito que nos próximos anos nos daremos conta que, em função da transformação tecnológica em nossas vidas, os artigos de luxo do século XXI serão a privacidade, o tempo e o silêncio. Será que temos consciência e estamos preparados para isso?