Sobre-viver da narrativa afetiva…

September 16, 2018 Off By Mi Prazeres

A primeira coisa que fiz, quando pensei em escrever um texto sobre narrativa afetiva foi pegar meu computador e digitar automaticamente no google: escrita afetiva. Nas primeiras páginas encontrei o Desacelera e as ações vinculadas ao movimento. Fiquei com vontade de ler para que o diálogo comigo mesma pudesse fluir como as inspiradoras conversas que costumamos ter.  Mas iniciando as primeiras linhas, me dei conta que o primeiro movimento não deveria ser de fora para dentro. As primeiras linhas eu não podia buscar em ninguém, apenas dentro de mim mesma. Então fiquei pensando qual o sentido que a narrativa afetiva tem na minha vida. Lembrei-me da conversa que tive com o Edu, um jornalista que conheci na copa. Naquele dia o Brasil ganhou, mas confesso que minha comemoração mesmo, foi pelo belo encontro que a vida havia me presenteado naquele dia. Em pouco tempo, conversávamos como velhos amigos, compartilhando experiências sobre fazer uso da escrita enquanto uma ferramenta de auto-conhecimento. Edu me contava como acessou conhecimentos de sua história individual e coletiva com a escrita e que isso foi mudando totalmente sua maneira de pensar e estar no mundo.  Lembrei-me que quando era pequena, vi minha mãe, muitas vezes, escrevendo cartas para si mesma. Apesar de não gostar de ler aquelas cartas, a curiosidade acabava sendo maior quando encontrava uma delas perdida pela casa. E toda vez que eu lia, me deparava com a intimidade de uma mulher que sofria, e, sofria muito. Minha mãe trabalhava a fragilidade do seu feminino pela escrita e, sem perceber, aos poucos eu fui aprendendo a ser assim. Na adolescência, trocava cartas com um grupo de amigas e não abria mão do diário cheio de códigos e objetos afetivos. Infelizmente, a escola, a universidade e o trabalho foram transformando minha escrita em algo mais frio, distante, enrijecido e cheio de normas. E demorou um tempo para que eu pudesse perceber que eu poderia fazer diferente, inclusive nestes espaços. Atualmente, procuro fazer sobreviver a narrativa afetiva em todos os lugares. Acredito que viver de narrativa afetiva é buscar um outro estilo de vida. É dar a devida importância para as palavras que saem de dentro de nós e ecoam no mundo. Quando entendemos isso, vamos nos livrando dos julgamentos e das respostas prontas. Por isso, penso que valorizar narrativas afetivas no cotidiano, é um processo que envolve acessar e expressar através das palavras, o afeto que se esconde em cada experiência.                                                                                               Para algumas abordagens da psicologia, existem diferenças entre emoção, sentimento e afeto. O primeiro, se refere a sensações que são sentidas no corpo como, por exemplo, batedeira no coração e euforia. Já o sentimento seria aquele que pode ser facilmente dito em palavras. O afeto, no entanto, não! Pois está relacionado a algo que sentimos, porém é difícil dizer o que é, de fato. É difícil identificar direito como afeta. E para encontrar essa resposta é preciso mergulhar fundo, em uma história que começa a partir de nós-mesmos. São sentimentos mais confusos, complexos, que exige mais reflexão e um processo maior de elaboração. O afeto se relaciona com as sensações primárias de experiências que guardamos no nosso íntimo mais profundo. E muitas vezes, na porta de acesso dessas memórias, tem um aviso da consciência gritando: Proibido! Perigoso! Não entre! Não perturbe! Acessar o afeto é entrar em contato com a dor e amor vivido na narrativa secreta e afetiva de si mesmo. Quando nos permitimos contar essa história, percebemos que nossa expressão deixa de ser um reflexo do todo, para ser um movimento de dentro para fora, em cada ação do dia-a-dia. Como definiu bem Clarisse Lispector, viver assim é sentir “socos no estomago”. Afinal, diariamente, esbarraremos com a predominância de um outro tipo de lógica, e muitas vezes, iremos nos pegar caindo em comportamentos automáticos como este que fiz, quando pedi ao google as primeiras linhas da minha escrita. Sobre-viver do exercício constante de reflexão e escuta interna, tem me transformando pouco a pouco, apesar de reconhecer que pego em atitudes como essa. As histórias que me proponho a contar diariamente, me convoca para esse diálogo constante entre meu mundo interno e externo que transforma investimentos afetivos em palavras. Palavras que driblam a razão, palavras que promovem cura, palavras que aquecem o coração, palavras que se sente na alma!

 

Elaine Santos