Modo robô: reportagem do Estadão trata do tema do “automático”

Matéria contou com entrevista de Elaine Moraes, psicóloga e integrante do DesaceleraSP. O conteúdo original está disponível aqui. O PDF com a reportagem está aqui.

Abaixo, compartilhamos a íntegra do depoimento concedido por Elaine Moraes ao jornal.

Caderno Bem-Estar do Estadão

Como identificar que estamos vivendo de “forma automática”

São muitas as atividades que realizamos de forma automática no dia a dia – escovar os dentes, tomar banho, fazer uma refeição. A maioria das pessoas já passou por algumas situações em que não se lembra de como chegou a um determinado lugar ou como realizou determinada atividade. A rotina tem sua importância e nos ajuda a economizar tempo e esforço mental, mas até que ponto ela pode ser positiva?

Todas as atividades que realizamos no dia a dia, como: escovar os dentes, tomar banho, fazer uma refeição, podem ser automáticas, ou não. Uma vez, uma pessoa que conheci levantou a seguinte questão: Já parou para pensar no ato de escovar os dentes? Quantas lições podemos extrair desse ato rotineiro de limpar esses pequenos ossos dentro da boca que tanto contribuem com a nossa alimentação? O mesmo serve para o momento do banho. Uma vez, enquanto deixava a água escorrer pelo corpo, minha mente acabou se banhando de uma criatividade tamanha que precisei fazer daquela ação um texto, que na mesma semana rendeu uma publicação. Fazer a refeição pode ser um exemplo que para alguns é automático, chato e cansativo, mas, que à depender das mãos, pode ser também extremamente prazeroso e artístico. O que torna uma ação automática ou não, se relaciona ao modo como interpretamos o nosso corpo em relação ao tempo e a vida. Para entender melhor como se dá esse processo, basta refletir sobre as principais adoecimentos mentais desse século: depressão, estresse e ansiedade. Todos remetem a uma distorção de aspectos relacionados à experiência da temporalidade. No caso da depressão, é possível identificar uma fixação no passado, enquanto as queixas de estresse se apresentam como uma sobrecarga gerada no tempo presente.  Já na famosa ansiedade, vemos um sofrimento que ocorre por uma antecipação do futuro, uma preocupação excessiva pelo que ainda não aconteceu. Embora o diagnóstico de cada uma dessas patologias seja muito mais complexo e não tão linear assim, compreender como nos relacionamos com o tempo na sociedade contemporânea é chave para sair do automático. Nessa investigação, acabei fazendo as pazes com a rotina e hoje direciono meu trabalho para a ampliação desse olhar que permite esse equilíbrio entre o ritmo interno e externo. Nesse caminho, a rotina passa a ser uma experiência autêntica, repleta de sentidos atribuídos pela presença no aqui-agora e pelo desenvolvimento de uma percepção de tempo mais cíclica e atenta ao corpo.

Qual o maior obstáculo para estarmos conscientes do momento presente?

Um dos grandes obstáculos é o vício tecnológico. A teoria crítica na qual dediquei minhas pesquisas considera que esse bombardeio de informações, propagandas e imagens que “metralham” nossos olhos diariamente, vem gerando um padrão de concentração baseado na distração concentrada. Esse estado de excitação e inquietação mental produzido pelas telas, estaria deixando as pessoas muito mais voltadas para esses estímulos externos e visuais, atrofiando a capacidade de concentração interna, reflexiva e consciente do momento presente.

O que um estilo de vida acelerado e sem presença pode acarretar na nossa carreira, nos nossos relacionamentos e na nossa saúde?

Na morte. No sentido mais amplo, radical e profundo da existência. Um estilo de vida acelerado e sem presença é como um ônibus que vai descendo uma ladeira sem freios. Digo ônibus, pois, se trata de uma locomoção coletiva, assim como devemos olhar nosso estilo de vida, que de uma forma ou de outra, vai conduzindo e influenciando outras pessoas nesse todo social.

Poderia listar alguns sinais de que estamos colocando o nosso cérebro no automático – e o que fazer para viver de forma mais consciente?

Os sinais mais comuns são cansaço, esquecimento, tédio, sintomas de depressão, estresse, ansiedade. Para viver de forma mais consciente precisamos cuidar da nossa saúde mental. Fazer terapia, retomar a conexão com a natureza e com a nossa ancestralidade, exercitando a pausa, o silêncio, o ritmo, a intencionalidade e a reflexão dos sentidos de nossas ações, são passos fundamentais nessa transformação.

Elaine Moraes

Doutora em Educação (USP)

Psicologia e ancestralidade Afro-ameríndia

Gestão terapêutica do tempo /slow living

Instagram: psi.elaine_ancestral

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