The slow professor: challenging the culture of speed in the Academy

The slow professor: challenging the culture of speed in the Academy

June 22, 2018 0 By Michelle Prazeres

RESENHA DO LIVRO
POR MICHELLE PRAZERES

The slow professor: challenging the culture of speed in the Academy
Maggie Berg e Barbara K. Seeber
University of Toronto Press, 2016
ISBN: 978-1-4875-2185-1
Michelle Prazeres*
Em “The slow professor: desafiando a cultura de velocidade na Academia”, as canadenses Maggie Berg e Barbara K. Seeber analisam o que chamam de “corporativização da Universidade” e propõem a adoção do modus operandi slow para resgatar o sentido da Academia.
Em uma crítica apoiada nas suas experiências como docentes e pesquisadoras; e em pesquisas de colegas sobre o uso do tempo nas instituições de ensino superior no Canadá, as professoras constroem um Manifesto e mostram como as lógicas da velocidade, da produtividade, da concorrência, da competição e da eficiência adentraram o ambiente universitário e estão transformando a Universidade em “espaços mercadológicos de educação”.
A resposta a esta dinâmica estaria, segundo as autoras, em “tomar o tempo da reflexão e dialogar, resgatando a vida intelectual na universidade”.
À primeira vista, o livro pode parecer um trabalho nostálgico, ingênuo ou anacrônico. Afinal de contas, a velocidade parece ser um valor incontestável dos nossos tempos. No entanto, trata-se de uma obra de ampliação da consciência temporal e de uma aguda crítica à aceleração social do tempo (ROSA, 2010) e seus efeitos na sociedade; na educação; e – em especial – na Universidade.
Ainda que aplicada ao contexto educacional, a crítica das autoras está alicerçada em valores e dinâmicas presentes em outros campos sociais; e a inspiração no movimento slow se aplica à educação, mas também pode ser associada a outras dimensões da vida e da convivência humanas.
Ainda que as autoras ressaltem as contribuições do Slow Food (pioneiro entre os movimentos pela desaceleração da vida; que luta no campo da alimentação e das cadeias produtivas de alimentos) como inspiração para a educação, o movimento slow no mundo hoje se articula em torno de múltiplos aspectos da vida em sociedade.
A ação social do movimento se articula em torno da desaceleração da infância (slow kids), das cidades (slow cities) e de outros campos, como trabalho, saúde e bem estar (slow medicine) e lazer. Politicamente, se alinha à noção do decrescimento (GEORGESCU-ROEGEN, 2013; e LATOUCHE, 2009); à idéia da simplicidade voluntária (ELGIN, 1998); e à expressão que Honoré define como “tempo giusto”. Ou seja: não se trata de ser lento ou de ser sempre devagar, mas de parar para pensar quando a velocidade faz sentido e quando ela não faz; quando estamos operando em “modo padrão”, porque a velocidade é a normose do nosso tempo (LELOUP, CREMA e WEIL, 2003); e quando estamos conscientes das nossas escolhas de tempo.
Em diversos trechos da obra, as autoras enfatizam o caráter do movimento slow, justificando que não se trata de “pregar” absolutamente o lento ou o devagar; mas sim de construir resistências cotidianas à aceleração e à velocidade como modos de vida “naturais” ou “normais” na contemporaneidade.
Citando Parkins e Craig (2006), elas afirmam que o “movimento slow não é um retiro contra-cultural da vida cotidiana; não é um retorno ao passado, aos bons velhos tempos; nem é uma forma de preguiça, nem uma versão lenta da vida. Trata-se, sobretudo, de um processo pelo qual a vida cotidiana é abordada com cuidado e atenção; é tentar viver no presente de forma significativa, sustentável, reflexiva e prazerosa”.**
A inspiração no movimento slow se dá em função do entendimento de que a corporativização da Universidade “acelerou o relógio”, ao trazer para o ambiente acadêmico sentidos de gerência, eficiência, produtividade e competitividade. Desacelerar, portanto, seria uma resposta com potencial não somente para revigorar o cotidiano, mas também para repolitizá-lo.
Colocar a filosofia slow na prática, portanto, seria combinar política e prazer; luta e desfrute. É esta a ideia que as autoras transmitem na introdução, onde mapeiam também o trabalho que fizeram em cada um dos quatro capítulos do livro.
No capítulo 1, “Time management and Timelessness” (sobre gestão do tempo e o que seria, em tradução livre, “intemporalidade” ou “destemporalidade”). As autoras fazem uma severa crítica à noção de manejo ou gerenciamento do tempo, ao afirmar que não se trata tanto de uma questão de gerenciar o tempo, mas de manter nosso foco em uma cultura que o ameaça o tempo todo. Elas apontam que o trabalho acadêmico, por essência, nunca termina. Como a flexibilidade de horas é considerada um dos “privilégios” desta natureza de trabalho, ela pode se traduzir facilmente em trabalhar todo tempo ou pensar que deveria.
A crítica à literatura da gestão do tempo está fundamentada em sua aparente contradição: “por um lado, nos aconselha a fazer exercícios, comer bem, possuir hobbies, socializar e assim, será possível trabalhar em ótimos níveis de rendimento”. Mas a ideia de que “basta se organizar” que você vai dar conta de cada vez mais tarefas e demandas não parece ser sustentável a curto prazo para boa parte das pessoas. As pesquisadoras propõem então, uma contra-cultura: o slow, que valoriza o equilíbrio e “ousa ser cético quanto às profecias da produtividade”.
No espectro da crítica ao manejo do tempo, as autoras incluem a ideia de “multitasking” (multitarefas). Mostram que não estamos fazendo duas ou mais coisas ao mesmo tempo; mas sim nos revezando de tarefa em tarefa, o que não somente no converte em inefetivos, como também faz com que percamos e esqueçamos coisas. A resposta a esta lógica seria fazer uma coisa por vez, sequencialmente e com atenção plena.
Berg e Seeber mostram que a lógica da gestão do tempo nos conecta com um tipo errado de tempo, o tempo agendado, que tende a exacerbar a sensação de fragmentação, resultante do “malabarismo” de combinar ensino, pesquisa, administração, relatórios, mensagens e demandas de alunos, entre outras coisas.
Além de fazer uma coisa de cada vez com atenção plena, as professoras propõem que pausas sejam feitas; que se dedique tempo ao não fazer nada sem hora marcada; e que seja valorizada a experiência do “deixar fluir”.
Concretamente, propõem cinco atitudes:
Ficar mais tempo offline;
Fazer menos coisas;
Ter sessões regulares de tempo para nada sem hora marcada;
Ter tempo para fazer nada;
Mudar o modo como falamos sobre o tempo.
Tais atitudes se transmutam em leituras que as autoras apresentam nos demais capítulos. Em “Pedagogy and pleasure” (pedagogia e prazer), Berg e Seeber ressaltam que seu trabalho diz respeito a classes presenciais, que permitem a proximidade de corpos e a transmissão de emoções face a face.
As autoras falam de aprendizado e afeto, mostrando que estão intrinsecamente relacionados: “o afeto está literalmente no ar e passa de pessoa para pessoa pelo olfato”. Como conselho para que professores tenham prazer com a docência, elas afirmam que é preciso parar de abusar de si com trabalho extra. E dão conselhos concretos, como – em sala de aula ou na relação com alunos, conjugar alguns verbos na prática: pausar, respirar, rir, escutar, ritmar, narrar… estas seriam formas de combater a cultura da velocidade e estabelecer um “movimento pela defesa e pelo direito ao prazer” (referência ao subtítulo do manifesto do slow food).
No capítulo 3, “Research and understanding” (pesquisa e compreensão), Berg e Seeber discutem como o “tempo largo” e a atenção plena são condições para a compressão e a pesquisa. E como a cultura da velocidade vem impactando estas práticas, que passaram a ser condicionada a resultados, instrumentalismos, lógicas do marketing e da gestão. E como horas dedicadas a estas dinâmicas “roubam” tempo de compreensão da pesquisa e da construção de conhecimento. “O problema com o tempo não pode ser resolvido apenas com mais tempo. A pressão do tempo é desafiar o relógio corporativo pensando em nossa percepção do tempo e as expectativas de produtividade que estão nos fazendo acreditar que não temos tempo suficiente”.
As autoras propõem que descolinizemos nossas mentes da linguagem, dos discursos e das lógicas corporativas e de corporativização da educação. O movimento slow, para Berg e Seeber, pode nos reconectar com o significado do trabalho acadêmico. E isso deve estar presente no modo com o qual nos referimos à nossa prática. Elas sugerem que, em lugar de dizer “estou produzindo”, um pesquisador afirme “estou contemplando” ou “estou em uma alegre busca” ou ainda “estou dialogando”. Usar a linguagem slow, para as autoras, é um modo de nos conectar com um movimento que é ao mesmo tempo prático e político.
Desacelerar tem, portanto, relação com afirmar a importância da contemplação, das relações, da fruição e da complexidade. É uma atitude que “dá sentido para permitir que a pesquisa leve o tempo necessário para amadurecer e torna mais fácil resistir à pressão de ser mais rápido. Dá sentido ao significado de pensar em grupos de estudo como uma comunidade, não como uma competição”. É sobre abrir espaço para os outros e para a diversidade. É sobre pensar em processos e não necessariamente (ou apenas) em produtos. Deste modo, é pensar no tempo como algo constitutivo: um “tornar-se do que não se foi antes”.
As autoras encerram esta parte da obra listando algumas atitudes que podem ajudar a combater a instrumentalização do pensamento e da pesquisa:
Espere;
Trabalhe seu “currículo sombra” (aquelas atividades que não necessariamente são consideradas “produção”, mas que agregam à sua vida e ao seu bem estar e a suas relações);
Mais não é necessariamente bom;
Às vezes, mais é melhor;
Apenas leia;
Siga seu coração;
Mantenha a calma e escreva.
Berg e Seeber afirmam que manter as relações e um senso de comunidade é fundamental. Para as autoras, à medida que os acadêmicos se tornam mais isolados um do outro, também se tornam mais compatíveis com a corporativização da academia; e resistir parece inútil.
No capítulo 4, “Collegiality and community” (colegialidade – ou coleguismo – e comunidade), Berg e Seeber tratam justamente da importância do autocuidado e do cultivo de boas relações não sob a lógica do “networking”, mas sob a lógica da formação de uma comunidade, de apoio, amparo e sustentada nos valores da colaboração e do compartilhamento de conhecimento e habilidades.
Elas denunciam que a corporativização aumentou as cargas de trabalho e mudou a configuração dos compromissos acadêmicos, conduzindo a vida universitária a um ponto em que “estamos muito ocupados para promover trocas e diálogos”. Na era da conectividade, a conexão verdadeira seria opcional.
A atitude necessária, neste caso, não se trata de estabelecer a colegialidade como mais uma meta ou mais um “dress code” obrigatório, mas sim de manter abertura e tempo disponível para que estas trocas e diálogos possam acontecer. A atitude é a do autocuidado aliada ao cuidado das relações, na medida em que o bem-estar ocorre intersubjetivamente, entre pessoas; e não como uma realização pessoal.
Para criar um ambiente de amparo, diálogo, afeto e colaboração, é necessário (1) reconhecer que a solidão existe; e (2) perceber que o ambiente de trabalho é constituído por pessoas que têm necessidades sociais e emocionais fora do trabalho, mas também durante as horas de trabalho.
Para “Colaborar e pensar juntos”, tema do capítulo de conclusão da obra, as autoras afirmam que é preciso fundar um ambiente de suporte e amparo, baseado em relações de confiança.
Afeto, confiança, sentido e significado, tempo processual, fluxo, reflexão, diálogo, convivência, prazer, plenitude, atenção, pausa, conexão são todas expressões do léxico slow que as autoras mobilizam para criticar a os efeitos da aceleração social do tempo na educação e propor a resistência à corporativização da docência, da pesquisa e da produção de conhecimento.
Referências
GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas. O decrescimento: entropia, ecologia, economia. São Paulo: Senac, 2013.
ELGIN, Duane. Simplicidade Voluntária. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 1998.
HONORÉ, Carl. Devagar. São Paulo: Record, 2005.
LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno. São Paulo: WMF/Martins Fontes, 2009.
LELOUP, Jean-Yves; CREMA, Roberto; e WEIL, Pierre. Normose: A patologia da normalidade. Petrópolis: Vozes, 2003.
PARKINS, Wendy; e CRAIG, Geofrey. Slow living. Oxford: Berg, 2006.
ROSA, Hartmut. Alienation and acceleration: towards a critical theory of late-modern temporality. NSU Press, 2010.
SLOW FOOD BRASIL. Manifesto Slow Food. Disponível em: http://www.slowfoodbrasil.com/slowfood/manifesto Acesso: 08/11/2017
* Jornalista, professora e pesquisadora. Mestre em Comunicação e Semiótica (PUCSP) e Doutora em Educação (USP). Na Faculdade Cásper Líbero, desenvolve pesquisa sobre “slow journalism” ou “jornalismo lento”.
** Os trechos citados foram interpretados em tradução livre.