foto doinstagram de Laura Tonini

[Por] menos estados emergenciais e mais estados dançantes e poéticos – respiro, pausa, beleza.Laura Tonini facilita processos de ensino e aprendizagem, trabalha com movimento, escrita sinestésica, arte-educação somática e encontra na dança uma ferramenta para humanizar as relações. É sobre essas relações entre Comunicação e Corpo que conversamos no dia 9 de abril de 2021.

Abrindo possibilidades de expressão

Se comunicação é a arte de tornar comum, por que não pensá-la para além das palavras? A dança, conta Laura, traz de volta a “relação comigo, com as outras pessoas e com os espaços que ocupo e habito”.

Num mundo tão acelerado como o nosso, abrir espaço para dançar é dilatar o tempo, especialmente o das relações. Para ela, dança e a escrita são possibilidades de expressão: “Pensar em como me expresso, me coloco no mundo e nas relações”. Sua expressão escrita (e a que ela propõe em seus programas) nasce da percepção dos próprios movimentos, do próprio corpo. A arte-educadora conta que essa abertura ao corpo tem sido uma demanda não só dos contextos artísticos e de desenvolvimento pessoal, mas de muitas empresas: “Muitas empresas de tecnologia estão pedindo nesses tempos de pandemia; espaços de comunicação com esses outros espaços novos como mecanismo de humanização”, conta.

Expressividade é sua palavra-chave para definir comunicação. Sem adentrar em conceitos específicos, ela diz que vê comunicação e expressão muito juntas, uma comunicação que nasce da clareza do que cada um expressa. Conversamos sobre o quanto hoje há um excesso de expressividade e que uma expressão sem propósito pode virar alienação. Por isso, seu trabalho se dedica muito a promover uma expressão com clareza, com observação das escolhas, do movimento do corpo até a palavra (ou vice-versa). “Dentro do meu trabalho, a expressão é muito presente. A dança e a escrita só vêm porque estou muito dentro de mim, com muita certeza de que investigação corpórea estou atenta nesse momento. Escolho o movimento e a palavra”, Laura explica como trabalha a educação somática e a escrita cinestésica: após o movimento do corpo, a pessoa é convidada a traduzir o movimento nas mãos, numa escrita automática e cinestésica. Em seguida, propõe a reflexão desses escritos. A comunicação, assim, nasce a partir dessa reflexão, emerge do texto, estrutura sobre a qual se dá um sentido para tudo o que se movimentou interna e externamente.

Cinestésico e Sinestésico 

Cinestesia se conecta com a percepção do movimento com sentido, observando pesos, resistências, gestos. Já sinestesia tem relação com a sensação espontânea (ou cruzamento de sensações) de cada indivíduo diante de estímulos diversos. São esses dois eixos que dão base para exploração da expressividade, através da dança, que pode se tornar comunicação.

“A dança é um saber que não passa pela palavra comunicação. Sinto que para usar essa palavra [comunicação], quando ela vem solta, vem trazendo ideia de uma linha narrativa. O meu trabalho não é sobre linha narrativa, é sobre sensação, é sobre sentir. Falo mais na palavra diálogo do que comunicação – é como uma troca, a partir do seu lugar, da sua vivência, história”, explica Laura.

Nesse ponto, Michelle complementa dizendo que em algum momento da história a comunicação deixou de ser diálogo, talvez porque se começou a entender comunicação como sistema, quando a palavra vem de comum, uma organização do comum – e que é preciso reavivar esse significado.

Corpo comunicante

Trazendo a conversa para o corpo comunicante, este que é nossa mídia primária, Laura reflete sobre o viés da Educação Somática, que trata da unidade mente-corpo e como um espelha o outro. Ela diz que a somática (na abordagem de Thomas Hanna) reforça a ideia de que somos a inter-relação entre consciência, função biológica e meio ambiente. São três inteligências que orquestramos: mecânica (do corpo do movimento), a biológica (dos sistemas) e a relacional (dos afetos).”

Para convocar o corpo comunicante, é importe dar atenção ao fenômeno do movimento. Nesse sentido, Laura conta que percebia que a dança de salão tradicional, por exemplo, não se apresentava tanto como um lugar de comunicação, pois havia a regra da cópia e reprodução de um movimento dependendo do estilo da dança. Hoje ela trabalha mais de perto com a improvisação em dança e pôde aportar sua prática de educação somática: “Meu público vai afetar o que estou fazendo e tenho abertura para modificar o que estou fazendo. Nesse sentido, entendo que é um corpo que comunica, dialoga. É fenomenológico – depende de como o público reage também. Sinto que é um corpo aberto ao que acontece agora, muito mais do que preso a uma estrutura”, aponta.

Na improvisação estruturada, o espetáculo é pensado para ser atravessado por afetos: da artista, como está naquele dia, e do público, como recebe e interage.

corpo presente

Na relação com a escrita, a dança é “escrita com presente, com o corpo presente”, como diz Laura. A presença é uma qualidade fundamental para a prática que ela conduz, aguçando a percepção de seus alunos. “Na educação somática, eu trabalho com BMC (Body Mind Centering) e os pilares são: sentir, perceber e agir. A presença é sobre isso: sinto, percebo que sinto e faço algo a respeito, percebendo isso. Pra mim não é mental, tem mais a ver com engajamento corpóreo, estou inteira engajada naquilo, por exemplo no vento tocando minha pele, som passarinho e buzina do carro; não tem a ver com estado de não pensar em nada”, explica.

corpos em relação se (re)humanizam

Laura comenta que seu fazer é dedicado a humanizar as relações e conta como vê urgência nisso, não só nas relações pessoais como no ambiente de trabalho. Michelle comenta que há nesse espaço (corporativo) um fetiche da produtividade, que leva as pessoas ao limite, e o quanto é importante trazer o olhar de volta para a potência do humano. Ao que nossa entrevistada complementa: “Novo paradigma, tão ancestral e primário mas precisa ser apresentado como um novo paradigma.”

Ela diz que quando pensa na humanização das relações, inclusive no ambiente laboral, procura trazer a relação da pessoa com ela, com seus movimentos, interesses, gestor, trazendo do lugar de dentro, da intimidade para então ampliar a visão desse movimento no espaço, explorando com os alunos que topografias cada corpo desenha no espaço, imagens que podem emergir, como cada um se relaciona com o espaço e com o movimento de outra pessoa. “Construo, assim, um ambiente seguro para poder dialogar, falo como me senti, converso sobre o que acontece – só isso já gera uma identificação – quando a gente se identifica a gente se humaniza. E alguma instância a gente se identifica uns pelos outros, a começar pelo interesse de estar ali naquele momento”, conta. 

Movimento e escolhas do viver

Para Laura, a dança deveria estar no cotidiano das pessoas, promovendo “menos estados emergenciais e mais estados dançantes e poéticos – respiro, pausa, beleza”. Experimentar a dança fora da hora marcada de evento permite que as pessoas experimentem mais o próprio movimento, o próprio corpo: “Que escolhas você está fazendo para mover com esse braço?” – exemplifica -, “é importante que a gente tenha clareza das escolhas, não é sobre certo ou errado; é sobre que escolha você está fazendo. A gente consegue criar essas relações entre sala de aula e vida, a gente começa a humanizar. A arte sai do palco e ela vem pra minha casa”, conclui.

Assim, a dança sai do espaço regrado da coreografia e entra na potencialidade da improvisação, mais focada na construção e expressão da intenção do movimento do que em brilhar num palco. 

Muitos colegas perguntam por que ela escolheu essa arte, e ela conta que a dança geralmente atrai mais público que quer dançar num espaço específico; e ela reflete: “como a gente tira a arte desse lugar que é só com artista? Como transpor esse lugar?” E responde que só é possível levar arte para outros públicos desconstruindo elementos. Ela levou, por exemplo, o improviso e a educação somática para dentro de uma empresa de TI e acredita na promoção de diálogos novos com esses espaços, entre as pessoas e que assim se gera transformação. “Eu acredito, em qualquer instância, quando a gente muda nossa relação com a gente pelo sensível, a gente muda a forma como ocupa os espaços, a gente precisa mudar o que coloca no mundo”, conclui. 

Por fim, falamos sobre intimidade como qualidade do movimento refletivo. No poema “Achadouros”, lembra Laura, de Manoel de Barros, há um verso que diz “A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas.” É essa qualidade de dedicação com a gente e com as coisas que a facilitadora defende e promove por meio de seu trabalho: tirando as pessoas de uma rotina que gera ausência e conduzindo-as a bailar com presença na vida.

Como citar: TONINI, Laura. Laura Tonini e a dança entre Comunicação e Corpo. [Entrevista concedida a] Carolina Messias e Michelle Prazeres. Projeto Humanizar a Comunicação. São Paulo, DesaceleraSP, 19 abr. 21. s. p.

foto de portfólio In Totum

Em 11 de setembro de 2020, entrevistamos Ciça Costa e Bruno Andreoni, do Estúdio InTotum de Comunicação e Design Social. Guardiões também da Revolução Artesanal, dos cadernos inspirados da Veio de Lá e de iniciativas que vão se alinhavando em torno da comunicação, do impacto social e da cultura artesanal. Conversamos sobre a Comunicação com Consciência, a base em que sustentam todos os seus trabalhos voltados à comunicação e ao design, uma abordagem que respeita o ser, o tempo e a relação, abrindo espaço seguro para que ideias possam se materializar.

O todo que integra as partes

Ciça Costa e Bruno Andreoni são de muitos lugares, mas começam de um núcleo: são mãe e filho. O primeiro lugar que eles trazem para a nossa conversa sobre comunicação é a In Totum (“em tudo”, “no todo” em latim), estúdio criado por Ciça e seu companheiro Marco Andreoni, que nasceu como uma agência de comunicação tradicional. Ambos formados em Comunicação Social, testemunharam a chegada de computadores e da internet discada no Brasil como ferramenta de trabalho em escala nos anos 90. Nessa época, eles estavam imersos em tudo que envolvia inovação digital: comunicação digital, editoração eletrônica, animação 3D… Na época, Marco trabalhava numa agência digital e Ciça atuava no campo da arquitetura. Ambos se apaixonam por essa revolução e foram descobrindo esse universo extremamente novo das placas, softwares, PCs e Macbooks. Assim, entraram no mundo do audiovisual.

A In Totum nasce assim, fazendo animação 3D, audiovisual, fazia slides e transparências pelo computador. Era uma inovação! E a editoração eletrônica… […] diagramação, campanhas, uma agência tradicional.” – conta Ciça – “o estúdio se consolida, mas em um momento isso começa a ficar travado aqui [apontando a garganta]. Em dado momento, a gente pega um trabalho lindo junto com comunidades de artesanato de tradição, bordadeiras etc. […] e quando a gente chega na comunidade eu penso ‘acho que eu queria trabalhar por aqui’…”, narra a revolução interna que começa a fluir no embate entre as inovações tecnológicas e as culturas tradicionais, entre as propostas de trabalho tradicionais que chegavam e a serviço de quê o estúdio estava…

O Bruno chega nesse momento de virada, com a chegada de um projeto que Ciça via potencial para não fazer do jeito comum, mas em processo, junto com a cliente, com encontros, conversas que acabam delineando num processo de Comunicação com Consciência. É nesse momento que eles passam a incluir o “fazendo” junto no trabalho: “aprende-faz-desenha-aprende-faz” artesanalmente. “Até hoje, esse jeito de fazer a comunicação com faz muito sentido, e antes a gente fazia comunicação para […]”, diz Ciça, ao que Bruno complementa sobre a qualidade da proximidade da comunicação com a pessoa que comunica.  

Processo de criação artesanal

O processo da Comunicação com Consciência passa por um desenho de atividades sob medida que, artesanalmente, vai gerando os elementos da comunicação da marca: nome, cores, formatos, movimento, fonte e organização do discurso. Ciça e Bruno apoiam a construção de um manual de significados da marca antes do conhecido “manual de uso”. Eles contam que esse processo tem a ver com a autoria, ou seja, com quem é o criador e com qual é o seu produto ou serviço. Incluir as histórias, o jeito e de onde veio a ideia da marca são elementos fundamentais para alinhar o discurso e construir a comunicação com consciência.

Bruno conta que às vezes o processo gera, antes do resultado esperado (por exemplo, o design de uma marca), grandes perguntas. Os facilitadores devolvem para o/a cliente o percurso vivido, inclusive explicitando essas questões para que possam de debruçar uma ou mais vezes antes de chegar em um resultado dito “concreto”. Ciça conta que é um processo extremamente vivo, pois é a partir do primeiro encontro com a pessoa que eles desenham os demais passos que vão percorrer. 

Na etapa de criação do manual de significados (quando ela emerge como necessidade do processo), Ciça e Bruno facilitam a investigação da comunicação de dentro para fora, entendendo o que conecta, focando no como: “Quando consegue trazer o como, você está falando do que você faz sem ser pela generalização da palavra, mas pela sua identidade“, indica Ciça. 

O “como a gente faz o que faz”, para ambos, aporta nossa pluralidade de histórias para a comunicação e talvez seja este o campo que toca a história da humanização, que tanto se fala hoje.

Humanização é trazer de volta a autoria

Os parceiros veem humanização como uma capacidade de trazer significado e sentido, com uma consciência. Devolve o lugar do humano e o sentido de sua comunicação. Criar por criar não faz sentido, seja um briefing, um logotipo, uma marca, ou o que quer que seja fruto da expressão humana. É importante se questionar sobre o sentido de nossas criações e do que comunicamos. Por isso, eles associam a humanização ao devolver a comunicação para o autoral, sobretudo de como cada um de nós cuida do que cria e expressa.

Caminhos para comunicar com consciência

Além de observar o jeito como se faz o que se faz, Ciça e Bruno contam algumas etapas recorrentes do processo da Comunicação com Consciência, que pode nos orientar a refletir sobre essa arte: 

  • visitar quem se é para além do currículo profissional e também observar as relações que estabelecemos – “a qualidade da relação dá um chão enorme para olhar para os discursos de comunicação”, afirma Bruno.
  • conhecer história da empresa em si, dos sócios (quando há) e encontrar pontos significativos, comuns e divergentes – tudo é insumo para construção do manual de significado do que será criado. 
  • respeitar o tempo da criação e da comunicação – os prazos de jobs geralmente são insanos, e a aceleração de um processo como esse pode nos fazer perder preciosidades, profundidade, perguntas realmente importantes, apenas para “entregar”.
  • buscar apoio de quem pode facilitar esse encontro com a sua comunicação com consciência – um acompanhamento da criação com essa qualidade leva a entender que não é algo que é só “pra você”, mas feito “com você”, e isso muda totalmente o sentido do resultado. 

Como citar: COSTA, Ciça; ANDREONI, Bruno. Comunicação com consciência. [Entrevista concedida a] Carolina Messias e Michelle Prazeres. Projeto Humanizar a Comunicação. São Paulo, DesaceleraSP, 11 set. 20. s. p.

 

Ana Maio é pesquisadora em comunicação e nos contou, em 8/9/20, sobre seus estudos e atuação com a abordagem face a face no ambiente corporativo. Seu interesse por estruturar essa abordagem temática começou nos idos de 2007, em seu trabalho como jornalista na Embrapa, no Pantanal. O chamado a vivenciar um ritmo e uma cultura diferente da que experimentava em São Paulo começou a movê-la em vários níveis. Entre 2012-16 faz seu doutorado em São Bernardo do Campo defendendo a tese sobre a comunicação face a face, com o apoio da instituição onde trabalhava. Na pesquisa, estudou também a comunicação mediada pela tecnologia e observou o quanto a comunicação mais humanizada, personalizada, voltada aos relacionamentos gerava mais conexão e engajamento na equipe.

Em 2017, ela segue sua jornada em São Carlos (SP), movida por um convite e uma questão familiar. Lá começou a descobrir o movimento slow, como o trabalho da italiana Anna Cortelazzo, que, através da slow communication, orienta os clientes dela no menos é mais, resolvendo inclusive rejeitar a entrada de mais clientes para prezar a qualidade de sua consultoria. 

Quando questionamos sobre o que é comunicação para Ana, ela trouxe em sua fala o conceito de Ciro Marcondes Filho; “é algo que te move a fazer alguma coisa” – diz, “existe a sinalização, a informação e a comunicação”. A primeira existe, está posta, indica coisas; a segunda chama a atenção para o conteúdo proposto; ; já a terceira chama a atenção e provoca mudanças por ressonância (é um acontecimento). 

O projeto de pesquisa de Ana coloca em evidência o lado mais humano, pois a comunicação face a face permite uma observação do não verbal, abrangendo uma análise do discurso do comportamento. Em seus treinamentos corporativos sobre essa abordagem, ela procura fazer as pessoas pensarem sobre isso. E na produção de comunicações internas (boletins), nota que as pautas mais lidas são sobre o lado humano, por exemplo, quando abordou talentos dos colaboradores.

Para ela, técnicas da comunicação face a face podem ser aplicadas tanto interna, quanto externamente, mesmo quando a conversa for mediada por tecnologias.

Ana aborda também a questão do espaço como fator que pode contribuir para a comunicação face a face: o espaço físico comunica muito, pois envolve como as pessoas vão ocupar esse espaço (distribuição, modo em pé ou sentado, tom de voz, movimentação da sala, adequação da vestimenta). A comunicação não verbal do espaço como cenário onde os seres vão se expor e interagir. Orienta, assim, o formato da conversa, o tom, quem terá lugar de fala e momento para isso.

Na comunicação organizacional, essa abordagem face a face pode ser usada de forma estratégica – conhecendo o indivíduo que vai falar para saber como interagir. 

Ana conversou conosco também sobre a artificialidade da comunicação, que se confunde na superficialidade da divulgação. Parece que os relacionamentos acabam ficando em segundo plano para dar lugar à rapidez, excesso de energia para resultados expressos. A comunicação face a face traz um paradigma diferente disso, e Ana percebe que cada vez mais há abertura para essa forma mais slow de olhar a realidade e a comunicação.

Como exemplo dessa prática, ela dá a dica: “não responder rapidamente mensagens, especialmente se o que você recebe for desagradável.” Ela também menciona o exemplo dado pelo Carl Honoré (no livro Devagar), de que para desacelerar ele cita o caso de um jornalista que começou a dirigir de forma diferente. Parar na faixa de pedestres, não passar o sinal vermelho e dirigir de forma mais consciente e slow pode ser uma forma de treinar essa habilidade e expressar também na comunicação.

Ana também traz a referência do TED Talk do editor Rob Ochard, sobre a necessidade de revolução do jornalismo com a abordagem slow para evitar disseminação de notícias digitais falsas ou rasas causadas por hiper-velocidade. A pesquisadora comenta que retomar assuntos que foram deixados para trás é uma forma de valorizar o jornalismo. Descobrir e retomar coisas que possam ser importantes também é fazer notícia nova, com profundidade e interesse. Nessa linha do slow media, Ana indica o filme “Cuba e o Cameramen”, sobre um cinegrafista americano que viajava à Cuba a cada cinco, seis anos para procurar as mesmas pessoas e produzir este filme que registra 40 anos de histórias reais. “Tem coisas que não adianta tentar ultrapassar a linha do tempo”, ela diz (e nós concordamos). Antes de finalizar, ela também trouxe um exemplo de comunicação face a face num projeto realizado no Hospital Santa Catarina, em que acontecem trocas de correspondência e videochamadas, além de crachás de identificação, para garantir a humanidade das relações entre paciente e equipe de saúde, com afeto.

Ana Maio tem uma vasta produção acadêmica em torno da comunicação face a face. Indicamos aqui um de seus artigos, que sintetiza sua tese de doutorado:

Comunicação face a face nas organizações em tempos de sociedade midiatizada. Organicon, v. 13 n. 24 (2016): Relações públicas: dimensões e práticas

Como citar: MAIO, Ana Maria Dantas de. Ana Maio e a comunicação face a face no ambiente organizacional. [Entrevista concedida a] Carolina Messias e Michelle Prazeres. Projeto Humanizar a Comunicação. São Paulo, DesaceleraSP, 24 set. 20. s. p.

 

Ana Erthal é professora, coordenadora do Núcleo de Pesquisas da ESPM Rio e autora do livro A Comunicação Multissensorial, que traz a síntese de sua pesquisa de mais de uma década sobre uso dos sentidos como estratégia de comunicação. Entrevistamos a Ana, via zoom, no dia 11 de agosto, terça-feira, à tarde.

Com olhar de pesquisadora acadêmica que também pratica comunicação nos múltiplos fazeres profissionais, Ana falou da dificuldade de olhar a teoria do que é a comunicação hoje.“Estávamos acostumados a entender a comunicação como coisa do emissor, mas hoje tem uma participação ativa do receptor, sobretudo com as redes digitais” –  ela aponta. Nesse contexto, surge a necessidade de reciprocidade entre quem fala e quem escuta. Uma fala que traz verdade para convidar a uma escuta de verdade também.  “Tem a ver com a disposição de quem fala”, não se trata apenas do que é a fala (conteúdo) em si. O conteúdo que sai do emissor tem que ser claro e transparente, não adianta ser um jargão muito complexo que não vai conectar. “É sobre falar e ser ouvido, no ambiente da família, do trabalho e dos estudos.”

A autoralidade soma como uma característica importante da comunicação com essa qualidade de autenticidade e legitimidade, pois integra o que já fizemos, lemos e fala da experiência. A professora traz exemplos de sala de aula em que jovens muitas vezes não estão sabendo se colocar com a própria voz. Há muito ruído, que impede que a pessoa aprenda a ouvir o outro e a si mesmo na interação. Não compreende quando o outro não ouve, por vezes fingindo que ouve.

A comunicação se torna um jogo tão envolto de símbolos, para além da linguagem verbal, incluindo humores, código gestual, que acabam gerando incompreensão. Há que cuidar da escolha das palavras com clareza e simplicidade, como se fossem flores no jardim. Humanizar a comunicação, na visão de Ana, é sentir-se próximo, cuidar do que cria essa maneira de interagir entre mim e o outro.

A escolha das palavras somada ao conjunto de símbolos que fazemos uso dizem tudo sobre nós. Envolve como vamos nos colocar, e é cada vez mais importante aprender a se colocar, discutindo inclusive tema delicados (e tabus), como política e religião. 

O estudo de Ana sobre a sensorialidade na comunicação mostra que os estímulos sensoriais têm dito muito mais que as narrativas, pois atravessam a gente sem pedir licença. Diferente das narrativas, que demandam elaboração do receptor para gerar entendimento, cores, sons e sabores comunicam automaticamente afetos positivos e negativos em nós, pois convocam memórias e sensações. A nossa percepção dos cheiros, por exemplo, nos atravessam quatro vezes mais rápido que a luz, podendo gerar uma série de emoções: conforto, segurança, irritabilidade, nojo… Também são muitos os estudos sobre o efeito das cores e dos sons no comportamento humano, na forma como modelamos nosso comportamento, sobretudo no campo da Publicidade. Ana alerta para um uso indevido desses elementos: “as pessoas são enganadas duplamente, pela veia sensorial e pelo discurso narrativo” que as induz ao consumo irrefletido. E ela também traz o benefício de resgatá-los em nossa comunicação de forma a recuperar nossos sentidos, por exemplo, o tato, que atualmente se tornou um vilão no contexto pandêmico. O quanto desacostumar nosso tato pode influenciar na nossa forma de estar em interação conosco, com o outro e com o mundo? Outro sentido que merece ser recuperado em sua graça, segundo a pesquisadora, é a audição, por meio da percepção de nossos humores diante da paisagem sonora que se apresenta. A tendência atual do ser humano de buscar se isolar dos ruídos externos, especialmente nas grandes cidades, nos fazem perder o contato com essa paisagem sonora.

Sobre o uso mercadológico da comunicação, Ana comenta que gostaria que as pessoas tivessem uma formação crítica, para recuperarem os próprios sentidos e poderem questionar o impulsos que as estão atravessando sobretudo no consumo. Ela comenta um exemplo de pesquisa chinesa sobre uso de aromatizante em ambientes de trabalhos com a finalidade de torná-los mais produtivos, sem refletir sobre a sustentabilidade psíquica, física e emocional das pessoas com o excesso de produtividade.

 “Comunicação humanizada é se colocar no mundo como humano”, afirma. Ela conta que se conecta conecta com o termo “comunicação humanizada” pela pele, pelo modo como nós, seres humanos, estamos no mundo como humanos e, como tal, precisamos de contato, proximidade, toque, estar junto. Desde bebê, desenvolvemos uma série de coisas em nosso organismo por conta do toque de quem ocupa o papel de mãe, principalmente.

A pele traz tema do acolhimento. A relação humana acontece também no corpo, no estar presente, e ter este ponto de contato (a pele) com o outro como possibilidade de estar aberto para ouvir e conversar. “Se você não percebe seus sentidos, você está se desumanizando, pois está perdendo o que só você tem”, Ana comenta sobre os desdobramentos da falta de sensibilidade na comunicação.

Quando questionamos sobre práticas de comunicação multissensorial, a professora indicou que hoje ainda a maioria das intenções são voltadas para o consumo. Como práticas mais humanizadas, traz os exemplos de uso de cores e música em hospital que cuida de pacientes em tratamento com câncer como forma de modular um comportamento menos pesado e mais acolhedor às pessoas que circulam no ambiente; também comentou sobre uma praça que era tida como local perigoso por ser pouco iluminada e frequentada. Nesse local foi feito um processo sensorial, incluindo paisagens sonoras, iluminação, rampas de skate – tudo contribuindo para mudar a relação que as pessoas tinham entre si e com aquele ambiente. 

Por fim, Ana Erthal nos convidou a refletir sobre o próprio espaço das casas, que costumavam ter jardim na frente para bloquear odores da rua e perfumar a entrada, mostrando como essas paisagens olfativas influenciam nossa relação com o lar e com as pessoas que circulam e ocupam esse ambiente.

Como nossos sentidos tem apoiado nossa comunicação? Como podemos usar a comunicação multissensorial a serviço de fortalecer nossa humanidade?

Como citar: ERTHAL, Ana. Ana Erthal: a comunicação multissensorial. [Entrevista concedida a] Carolina Messias e Michelle Prazeres. Projeto Humanizar a Comunicação. São Paulo, DesaceleraSP, 14 ago. 20. s. p.