Aproveitando este início de ano ainda tranquilo, meu convite hoje é para uma reflexão: o que entendemos por natureza, mesmo? O tema central deste blog é o contato das crianças com a natureza. Toda hora falamos “dela” e é muito provável que haja variações sobre o entendimento da palavra natureza. Vamos explorar isso. Original publicado no Conexão Planeta.
Cada época é marcada – entre outras coisas – pela concepção de natureza predominante, e é essa percepção(perceber é conceber, já dizia Octavio Paz em seu belíssimo poema Blanco) que autoriza e influencia as ações sobre ela. A natureza já foi physis, para os gregos antigos, conceito que considera que os humanos participam, fazem parte dela, estão imersos nela. Essa visão foi se transformando ao longo dos séculos e, hoje, estamos regidos pelo paradigma mecanicista, que enxerga a natureza – e tudo no mundo – como um grande e complexo mecanismo, formado por partes interconectadas e passíveis de ser identificadas, controladas e dominadas. Por essa lente, os humanos se colocam em separado, como “donos e senhores” da natureza, como sonhava Descartes.
Essa visão tem influência direta na transformação das paisagens no mundo atual (já faz um tempinho que vem sendo assim…mais de 500 anos!). Todas as grandes obras de infraestrutura, a forma com que as cidades são construídas, o modo como funciona a economia, tudo isso tem a ver com essa visão de mundo dentro da qual fomos criados.
O fato de não termos crianças brincando na rua, das cidades serem pensadas para os carros, das poluiçõesafetarem a saúde das pessoas e dos ecossistemas, da extinção de espécies avançar em alta velocidade, das pessoas trabalharem muito e não terem tempo para a convivência, da violência perdurar, do stress afetar a todos e tantos desajustes mais têm a ver com essa visão de mundo que separa todos em partes e busca, com isso, a dominação e o controle delas.
Quando dizemos que a criança é a natureza se tornando humana já estamos olhando para a natureza (e para o mundo) de uma outra forma: enxergamos o nosso pertencimento ao mundo vivo, buscamos incluir um elo frequentemente esquecido – por ser invisível aos olhos – de nossa experiência viva com os demais habitantes da Terra. Estamos nos esforçando a religar as partes cindidas. Em minha experiência na condução de grupos em processos de aprendizagem com a natureza, vejo que essa reconexão pode se dar a todo instante, com pessoas de todas as idades. Sinto as pessoas ávidas por isso. Muitas vezes até com medos e aversões, mas sentindo atração pelo desafio da aventura de viver conscientemente e diretamente junto com todos os seres vivos.
A falta de natureza, percebida ou não, tem nos deixado doentes e o contato direto e sensível com ela nos cura. A experiência direta com a integralidade da natureza é fundamental para que os adultos não anulem essa percepção que as crianças já têm.
Permitir e estimular que as crianças brinquem livres com a natureza é importante porque elas nascem – todas as crianças, sempre – conectadas com a natureza. Se os adultos responsáveis estiverem bem preparados e não cortarem esse vínculo, elas poderão se desenvolver de forma plena, com mais saúde, bem estar, criatividade e amorosidade. Isso requer disposição dos adultos de serem pioneiros na construção de um mundo diferente do que encontraram. Pois, não queremos um mundo melhor para as nossas crianças? Para isso, devemos criá-lo desde já, oferecendo-lhes gestos de empatia e confiança em relação a tudo o que é vivo.
Foto: João Milliet