Desacelerar: escolha individual ou única saída coletiva?

:: Sobre uma polaridade que me desassossega :: 
Por Michelle Prazeres

Estes dias, um repórter me perguntou como uma pessoa se dá conta de que precisa desacelerar. 

Algumas pessoas passam por problemas de saúde. Outras entram em contato com a morte e – de alguma forma – isso as faz olhar de outro jeito para a vida. Outras vivem alguma perda ou situação limite, que as pressiona a repensar as escolhas. E outras simplesmente conhecem esse movimento como uma escolha possível, se encantam e passam a viver uma vida mais devagar.

Mas também existem as pessoas que escolhem correr. E que estão conscientes da correria e felizes com esta escolha. 

Mas uma coisa me desassossega. Quando afirmamos que é preciso desacelerar, nos referimos a pessoas que buscam escolher este caminho e também a uma necessidade sistêmica, de decrescermos e sermos mais conscientes como humanidade.

Me parece importante compreender que a  pressa como caminho individual é uma escolha legítima, como tantas outras que – apesar de parecerem nocivas alguns olhos – são plausíveis e aceitáveis a outros olhos. As pessoas são livres para escolher correr. Se correr faz sentido para você, corra. Corra consciente das consequências desta escolha pra você.

Quando afirmo que o movimento slow acolhe as pessoas que escolhem não correr, mas também é uma agenda sistêmica, quero dizer que a pressa como caminho e projeto coletivo se esgotou e vem nos esgotando como humanidade e como planeta.

Com pressa, a gente trabalha para a produtividade, consome mais do que precisa, gera mais lixo do que o planeta é capaz de processar, acelera o tempo do nascimento e acaba com o tempo de brincar da infância, come mal, detona a saúde e o bem estar, se informa de excesso e de brevidades, perde aos poucos a capacidade de pensar e a reflexividade em profundidade, adoece e se medicaliza. Compromete o tempo de qualidade e a atenção plena para as relações. Para de escutar e de dialogar. A gente vai se desumanizando e naturalizando a pressa e a velocidade como o que é “normal”. 

Apesar de parecer um pensamento polar, penso que desacelerar não deve ser mais uma obrigação para os indivíduos contemporâneos, sobrecarregados com tantas fórmulas de felicidade. Ao mesmo tempo, desacelerar me parece ser a única escolha possível para nós enquanto humanidade.