A velocidade é a normose da atualidade?

Por Eduardo Cordeiro, consultor e idealizador do Desacelera SP

O conceito de Normose foi cunhado na década de 1980 pelo psicólogo e antropólogo brasileiro Roberto Crema e pelo filósofo, psicólogo e teólogo francês Jean-Ives Leloup.

Os dois vinham se dedicando ao estudo do tema sem conhecer o trabalho um do outro, até que o também psicólogo francês Pierre Weil percebeu a coincidência e decidiu conectá-los. Tempos depois, os três organizaram um simpósio sobre o tema, em Brasília. Do encontro, nasceu uma parceria e o livro “Normose: a patologia da normalidade”.

Na obra, a Normose é definida como uma patologia que acomete a humanidade, no sentido de que somos levados a aceitar como normais alguns consensos sociais, ainda que essas convenções sabidamente nos façam mal ou causem sofrimento.

Ainda que existam normalidades saudáveis (não patológicas), as patológicas podem, no limite, afetar a nossa saúde. É a chamada normalidade doentia.

O Desacelera SP tem estudado o conceito de normose de forma aplicada à velocidade. Será que o ritmo de vida acelerado e predominante nas metrópoles nos oprime e nos faz aceitar situações que, de tão violentas e absurdas, acabam por colocar em xeque o sentido e o propósito de nossa existência?

O conformismo com a velocidade e com a “correria” é preocupante, porque nos paralisa; e paralisados, não tomamos consciência deste mal que nos violenta. Deixamos, assim, de avançar enquanto sociedade. Ao contrário, damos espaço para que a normose nos consuma cada vez mais.

Conviver, uma saída

O Desacelera SP acredita que a tomada de consciência sobre a relação com o tempo é um caminho possível para enfrentar e superar essa condição, do ponto de vista da reflexividade. Ao compreendermos a normose como um mal, damos um primeiro passo para transformar a realidade.

Do ponto de vista prático, são muitas as saídas possíveis para resistir à normose. Em relação a isso, temos nos dedicado a reunir projetos, iniciativas e pessoas em torno da ideia de convivência afetiva.

A convivência afetiva está alicerçada em valores de humanidade, amor, delicadeza, generosidade, contemplação, cuidado e respeito ao tempo natural da vida e da natureza. Está relacionada a uma vida mais simples, mais conectada aos propósitos e ao sentido. Por isso, está também relacionada à ideia de decrescimento sereno, de viver com o que é essencial e suficiente.

Um dos pontos de tensão mais frequentes em nossas rodas de conversa e atividades de formação é a relação das pessoas com a cidade (em seus deslocamentos) e com o trabalho.
Convivência nas organizações

É na relação com estes eixos da vida que a normose doentia da velocidade aparece com mais força. Muitas vezes, esta normose nos leva a crer que as instituições estão acima dos indivíduos – como se existissem instituições sem indivíduos e sem as relações internas.

Mas é na relação entre indivíduos e organizações que os organismos da sociedade se constituem em uma dinâmica espelhar. Se os indivíduos reproduzem a normose, as instituições a reproduzirão. Se, de alguma forma, existir ambiente para refletir sobre a normose entre os indivíduos, as instituições tendem a ser mais abertas para repensar a relação com o tempo e as relações internas, sob a perspectiva da convivência. Se existir conexão entre os indivíduos e a missão das instituições, a relação entre colaboradores e organizações tende a fluir de forma mais leve e conectada.

Parece complexo, mas na realidade é simples. Acreditamos que a essência das organizações está justamente nas pessoas; e que o sentido de justiça e fraternidade das relações humanas deve ser preservado para que as instituições sejam ambientes saudáveis e prósperos.

Por essas razões é que propomos, em nossos cursos e encontros em grupos, uma reflexão sobre o tempo, o ritmo e a aceleração da vida moderna, tendo como base os conceitos de propósito e suficiência; e propondo a conexão entre as pessoas como forma de superação de conflitos em grupos, coletivos e organizações.

Nestes encontros, falamos sobre o conceito de convivência afetiva, que pode ser aplicado a diversos campos e setores da sociedade e é um potente motor de transformações das pessoas, que por sua vez, modificam as estruturas e as instituições.

Aos que quiserem se aprofundar sobre essa e outras discussões, sugerimos que fiquem atentos à nossa agenda de eventos.

Abaixo, sugerimos um MOMENTO DE PAUSA totalmente conectado com a reflexão que fizemos. Ouça a música Conformópolis, do espetacular disco de estréia de Di Melo, cantor e compositor pernambucano. Já em 1975, ele descrevia a rotina alucinante de um cidadão paulistano normal. É normose na veia, entrando pelos ouvidos. Dê um play, escute, sinta, reflita…

CONFORMÓPOLIS
Letra: Waldir Wanderley da Fonseca

A cidade acorda e sai pra trabalhar
Na mesma rotina no mesmo lugar
Ela então concorda que tem que parar
Ela não discorda que tem que mudar

Mas ela recorda que tem que lutar
Condução lotada apertada de pé
A cidade desce no largo da Sé
Mecanicamente ela mostra ter fé

Na proximidade de um dia qualquer
E na Liberdade ela toma um café
O escritório o chefe o cartão pra marcar
O magro sanduíche engolido num bar

Ela então desperta ela tenta gritar
Contra o que lhe aperta e que lhe faz calar
Mas ela deserta começa a chorar (3x)