Festival reúne comida saudável e de verdade feita com história e amor

O Desacelera SP bateu um papo com a Fabiolla Duarte, mãe do Hari e idealizadora do Colher de pau. O projeto nasceu com um workshop de introdução alimentar para bebês; e hoje ganhou outros “braços”: workshops e formações para crianças mais novas e mais velhas; formações voltadas para a reflexão de adultos sobre a comida; e o Colher de Pau – Festival, um evento que reúne como expositores pais e mães empreendedores da comida saúdavel e feita com amor e história, e como consumidores, pessoas em geral interessadas por comida de verdade.

O Festival terá sua segunda edição no próximo dia 27 de maio, em São Paulo.

Nesta entrevista, a Fabiolla conta o que é o projeto, como ele começou e a relação disso tudo com uma vida desacelerada. “Queremos, do lado dos consumidores, sanar ideia de que não se come bem, porque não dá tempo. Queremos sanar a pressa e a falta de estrutura. E, do lado dos produtores, dar espaço para que eles se dediquem a fazer sua comida em outra temporalidade. Para que possam fazer com calma uma comida que demanda tempo, presença, dedicação e a escolha de ótimos ingredientes. Comida não é um produto. Comida é história. E esta história a gente come junto com a comida que a gente comeu”, diz.

Desacelera SP: O que é o festival e como nasceu a ideia?
Fabiolla Duarte: O festival nasceu de eu ouvir mães por anos me falarem sobre a angústia de voltar ao trabalho e do desejo de empreender com comida. Por outro lado, também escuto há anos mães me relatarem que não tem tempo de cozinhar e querem alimentar bem seus filhos e se sentem impotentes e acabam indo comer no quilo da esquina ou lançando mão de mil possibilidades.
Me senti na obrigação de obedecer a este chamado e estabelecer a ponte.
Porque se eu consigo criar um mercado para as mães que estão empreendendo e começando agora, elas podem empreender, flexibilizar, ficar com os filhos e resolvemos muitas questões; e cuidamos das outras mães que não conseguem cozinhar e gostariam de comprar uma comida caseira, de verdade.
Uma vez que eu visualizei isso, senti que só faria isso se as pessoas empreendedoras da comida – pais ou mães – se encaixassem em alguns critérios que para mim, mãe consumidora, são essenciais.
Por exemplo, que panela está sendo usada, que tipo de sal que tipos de óleos, que são coisas que se eu vivesse comendo na rua, iam certamente impactar na minha saúde. É que o tenho verificado em minhas pesquisas.
Então, estimulei, por vários meses, nas redes sociais, enquetes em que eu trazia para o público as minhas questões e deixava os públicos responderem.
Por exemplo: que sal é mais legal para cozinhar? E chegamos à ideia de que o sal refinado não devemos usar. Para chegarmos a esta conclusão, foram várias idas e vindas e debates nas enquetes. Debates surgiram sobre o preço, por exemplo. E meu cuidado foi levantar questões, deixar as pessoas se colocarem; a partir dos debates eu ia trazendo informação de pesquisas e profissionais de saúde que eu respeito. E, no coletivo, chegamos no “Selo colher de pau”.

O que é o selo Colher de pau? Como funciona?
O selo colher de pau é uma curadoria, que aconteceu nas redes, que eu fui organizando e que tem como princípio que as comidas são 100%: não usamos trangênicos; usamos orgânicos, mas se não der para comprar, vamos usar produtos da estação. Que não vamos usar açúcar refinado; mas se tiver que usar, será integral. Que óleos usados no cozimento não são transgênicos… enfim… são várias questões que norteiam a ideia de comida saudável, original, de verdade, e que são pré requisitos para que o empreendedor entre no festival.

Como o produtor pode participar?
A pessoa me manda um email e eu mando uma ficha de inscrição; um questionário. Se encaixando nos critérios, ela é bem vinda a participar.
Para participar, é preciso efetuar uma inscrição, de R$ 170, dinheiro que é usado para alavancar publicações de divulgação do empreendimento da pessoa: uma biografia e um vídeo de dois minutos em que ela conta sua história e mostra sua casa, sua cozinha, faz a sua promoção. E eu divulgo nas redes sociais, patrocinando essas postagens. Outra parte do investimento serve para ratear custos do aluguel de espaço do festival. Com este valor, eu alugo também cadeiras e mesas.
Vale dizer que é tudo uma construção coletiva, com reuniões e divisão de tarefas. Não sou eu que faço tudo sozinha. É um coletivo que está trabalhando junto.

E como foi a edição do ano passado?
No festival do ano passado, tivemos uma circulação intensa de cerca de mil pessoas. Os expositores venderam tudo. Foi um sucesso surpreendente!
Depois do festival, estas pessoas entram em um grupo no Facebook, onde eu deixo organizado produtos e produtores por categorias; esmiuçando as características para facilitar a busca do consumidor. É um grupo que promove o encontro de consumidores que querem ter acesso a estes alimentos e tem uma busca facilitada.

Qual o seu objetivo com o projeto?
Estamos querendo criar uma nova economia, em que não passamos na padoca para comprar um pão correndo; ou pegar uma marmita correndo. Passamos a ter uma curadoria e comprar de pessoas que fazem sentido, para pessoas da minha rede e que beneficiam o consumidor com uma alimentação saudável.

E qualquer pessoa pode participar do festival como consumidor?
Qualquer pessoa consumidora de comida saudável pode ir. Basta aparecer no dia.
Ainda não temos um local confirmado para este ano.
E para entrar no grupo do selo colher de pau e ter acesso a esta rede de produtores, é só solicitar a entrada.

Qual a relação do seu projeto com uma vida mais desacelerada?
A questão do slow tem muito a ver com a vontade de criar uma nova economia, de sentido. Estamos mais próximas das pessoas. Mesmo estando na cidade grande. Sinto que em São Paulo estamos sempre com pressa. É muita ansiedade e, geralmente, em nome disso, comemos uma comida ruim, porque “não dá tempo”. O “não dá tempo” está entrando na esfera da comida, e isso está trazendo problemas para nossa saúde.
A minha contribuição para isso é fazer a ponte para que estas pessoas consumam de gente que está produzindo comida com história de amor por trás.
Me faz muito bem comprar o pão de um pai que faz este pão seguindo uma história de família. Mais do que comprar um pão que pode ser integral e de super qualidade, mas não traz este valor.
Cuidar da economia alimentar é slow.
É cuidar da questão do tempo. Queremos sanar esta pressa e a falta de estrutura. E dar espaço para pessoas se dedicarem a produzir comida em outra temporalidade. Elas ficam com calma, fazendo comida que demanda tempo, presença, dedicação e a escolha de ótimos ingredientes.
Estou querendo desvincular a comida da ideia de um produto que eu meramente consumo. Quero que compremos comida com uma história. Por isso que nas redes eu divulgo a história do empreendedor.
Esta história a gente come junto com a comida que a gente comeu.
A comida não pode virar um fetiche. Eu compro comida orgânica gastando muito por mês porque eu posso.
A comida não é um produto. A comida é uma história.

O Festival é apenas um braço do projeto Colher de pau. Quais os outros?
O Colher de pau é um processo muito intenso, trabalhando com comportamento alimentar infantil e introdução alimentar e hábitos de consumo de crianças pequenas e grandes. É um exercício de compreender como a comida é um território que mobiliza as relações humanas. Sempre saio dos cursos emocionada e apaixonada, apesar de ser algo que eu faço quase todos os finais de semana há seis anos.
Me emociona ver que a comida é um lugar de epifania e antropologia e está ligada com a evolução das sociedades e a humanização da nossa espécie.
Quando começamos a cozinhar e a compartilhar o alimento, nos despedimos da animalidade.
A comida é um espelho da sociedade. A comida fast food, a comida plastificada, os movimentos de comida saudável, da agricultura. A comida fala sobre nós e é um lugar de muita batalha nas famílias.
Minha entrada é: eu quero que não tenhamos batalhas à mesa. Que possamos comer e ponto. Esta é chave. Não é um truque eficiente. Não é eficiência do tempero ou do sabor. É cuidado da subjetividade que está ali. Do rito que é comer. E de baixar expectativa, porque comer não precisa ser um banquete e as pessoas não precisam ser cozinheiras. As pessoas precisam ter prazer e aquele precisa ser um ambiente relaxado e amoroso em que a comida é quase um pretexto para estar ali.
O módulo dois do Colher de pau é de na escuta empática das famílias que trazem as suas questões. Por exemplo: meu filho só come comida branca; só come macarrão.
Como lidar com isso sem chantagear, sem trocar, sem vir comparações?
É muito difícil cuidar deste assunto. Tem a ver com privacidade e prazer. E geralmente é o menor dos problemas. Quando deciframos o que está acontecendo, trabalhamos o que está acontecendo antes de a criança manifestar isso na comida.
É um processo super lento. As vezes um diálogo de meses com as famílias. Em que vamos aprendendo, pesquisando e cuidando.
Nos cursos, é um dia de troca e escuta e eu trago propostas.
E tem também o Colher de pau para adultos, que é um dia em que os adultos contam das suas relações com as comidas. Não falamos de filhos, porque somos nós cuidando da gente, porque é aí que tudo começa. É sempre muito emocionante o que sai e como reverbera positivamente com as famílias e com as crianças.

SERVIÇO – COLHER DE PAU
Página no facebook: 
https://www.facebook.com/ColherdePau.culturalimentar
Página do evento: https://www.facebook.com/events/758195297679554/
Grupo do Selo Colher de pau: https://www.facebook.com/groups/colherdepaufestival/?fref=ts
Instagram: fabiolladuarte