PENSANDO SOBRE O “TEMPO DE QUALIDADE”

“Perdido é todo tempo que com amor não se gasta”  (Torquato Tasso)

2015-07-15_1004Uma manhã como outra. Atrasada, levo o filho para a cozinha e enquanto passo o meu café, tento apressada fazer com que ele me diga como quer seu pão e ao mesmo tempo peço que vá para o quarto e tire o pijama pois estamos em cima da hora e precisamos correr. Ele, por outro lado, brinca com o puxador do armário, puxa uma banqueta e me diz:
– Vou cantar pra você uma música que aprendi ontem na escola: “Todo dia o sol levanta e a gente canta o sol de todo dia…”

Original aqui.

Ali na cozinha, parada enquanto a xícara transborda sobre a pia, olho o menino de cinco anos, um pequeno bárbaro que insiste em me conectar com o que realmente importa mas que infelizmente já esqueci.

A cena serve como convite para pensarmos em como arrastamos as crianças, mesmo sem querer, à nossa relação “adultocêntrica” com o tempo: angustiada, mercadológica, tensa e quase sempre insatisfatória.

O tempo e o controle do tempo que perseguimos à exaustão é o tecido para nossos projetos de vida. Ignorar que existe um mundo a nos exigir presença, assiduidade e dedicação é impossível. Apesar disso há um número crescente de pais e mães que resolveram não aceitar a naturalização dessa lógica de que o tempo com os filhos pode ser reduzido ao mínimo sob a ideia de que bastaria agendá-lo e intensificar a “qualidade ” do que se vive nestes poucos momentos.

A ditadura da “qualidade”, ideia volátil mas que entrou em nosso vocabulário com o sentido que as teorias de administração lhe dão, associa-se assim à ideia de “administrar e reduzir o tempo” e sem que percebamos estamos perseguindo com os filhos uma lógica de negócios: conseguir mais resultados em menor espaço de tempo.

Estar com os filhos, nesse sentido, passa a ser criar momentos curtos, mas intensos e que produzam algum resultado. Nesta perspectiva não há tempo para sentar e simplesmente ver o filho brincar. Não há tempo para conversas sem roteiro, para a partilha da delicada rotina do sujar-se e limpar-se, do choro e das risadas, sem nenhum objetivo direto exceto estar juntos no momento presente. Não há tempo, enfim, para a beleza da vida como ela é.

O tempo da criança, necessariamente à margem do relógio, está muito menos sintonizado ao ritmo da sociedade (que é o do mercado, da produção e do consumo) e muito mais ligado à subjetiva duração de suas experiências corriqueiras com o que a toca, a intriga e a move e precisamos limpar nosso olhar para a simplicidade e despojamento que isso exige de nós se decidirmos participar deste processo.

Certamente estar ciente desta necessidade de desaceleração e de abertura de espaço para a experiência de estar juntos no momento presente pode não ser o bastante para mudarmos nossa carga horária no trabalho, mas refletir sobre isso é um primeiro caminho.

O dia não ficará mais longo porque você sente que precisa participar mais da vida de seu filho, mas apenas se entendermos a beleza do compromisso que assumimos ao nos tornarmos pais e mães poderemos talvez mudar nossa perspectiva e passar a buscar novas formas de relação com o nosso tempo em família, revendo nossas prioridades e nossa ânsia por resultados, apaziguando nossos temores pelo futuro.
O historiador Edgar de Decca diz que o maior triunfo das formas modernas de produção foi conseguir enfiar um “relógio moral no coração de cada trabalhador”. O maior triunfo da infância, em contrapartida, é simplesmente resistir a isso e, se deixarmos, nos ajudar a ouvir de novo do nosso coração, não o tic-tac, mas apenas o pulsar.

Andréa Cordeiro é pedagoga e Doutora em Educação pela UFPR. Professora e coordenadora pedagógica na Educação Infantil por mais de vinte anos, hoje atua na formação de professores nos cursos de Especialização em Coordenação Pedagógica da UFPR. E é consultora e autora do Projeto Infantil do Mamaworking.

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